quinta-feira, 6 de março de 2008


Carta ao Conselho Pedagógico

5 de Março de 2008

Decorre a semana da leitura. Tempo de acção e de memória.
- Quando começámos a ler? - interrogamo-nos. A resposta perde-se no tempo. Talvez folheando aquelas ilustrações deslumbrantes! Há trinta ou quarenta anos esses livrinhos não seriam tão frequentes... Começámos a ler pelo ouvido! – será a conclusão mais evidente.
Pois, foi o primeiro contacto. Quem teve a sorte dum avô ou duma avó... bons velhos, pacientes, acolhiam o neto, com aquela ternura própria, e para chamar o sono abriam um livro. E lido ou inventado, começavam: “Era uma vez...”

Era uma vez!... e a história desenvolvia-se, ao sabor da imaginação, da leitura... O mundo do faz de conta. Tudo era permitido; todos os sonhos reais. E com que ternura! Lá nos entregávamos àquela voz, cheia de afecto... Às vezes, no desenrolar da aventura, questionávamos:
- Ó avó, e o passarinho magoou-se?
Apanhado de surpresa, o avô que se perdia na acção inventada, lá recompunha a estória e atrapalhava:
- Não, filhinho! A mãe voou muito depressa e veio apanhar o passarinho antes de bater no chão...
Ah! Felizes, entregávamo-nos aliviados às delícias do travesseiro.

'Semana de leitura’ é tempo de afectos: vividos ou a despertar. Cada dia é novidade. Ler – rasga horizontes, é participar, conviver. Num livro não se encontram só palavras, descobre-se experiência, sonhos, cuidados, preocupações: partilha. O livro é vida! Os antigos tinham tanta consciência da importância e necessidade do livro que criaram a máxima: “nulla dies sine linea”- uma leitura, embora breve, todos os dias...

Hoje, a vida é corrida! Afectos, criatividade... são palavras sem uso. Não temos tempo! A nossa geração está perdida? Nâo! Ultrapassámos Marte! Demos o computador aos nossos filhos. E telemóveis? Temos tudo! Somos auto-suficientes! É certo que acumulamos problemas...
Constatamos: o computador isola, não relaciona, distancia, ensimesma. O computador fecha-nos aos outros, à comunhão, gela. É um grande instrumento de trabalho. Os jovens absolutizaram-no. Não lhes transmitimos os valores que nos fizeram crescer. Incapacidade nossa? Falta de convicção? Decidamo-nos: crescer é afecto, entrega, doação, partilha, imaginação, aventura...
Hoje, convido à partilha. Estamos conscientes dos valores do mundo que nos formou. Alimentemo-los. As conquistas da técnica facilitam a vida... preservemos os valores, que estão na base da nossa formação e civilização. ‘Semana de leitura’ - reencontro. Não olhamos, saudosos, o passado. Voltamo-nos para o futuro. Pela leitura, humanizamos as relações a todos os níveis, criamos laços e bem-estar, transformamo-nos. Boa leitura! - é convite e um profundo anseio da alma. Leitura lúdica, saboreada, para deleite pessoal. Experimentemos a tempo e a destempo!
Joaquim Soares (Equipa da Biblioteca do Agrupamento Vertical de Escolas de Castelo de Paiva)

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